Atualizado em 17/11/23.
Para inaugurar nossa Conversa no Cais, vamos falar sobre infâncias e brincadeiras.
A brincadeira é a primeira linguagem da criança, um abre alas para a descoberta. É uma forma de comunicação e expressão e se apresenta de uma forma peculiar. É a primeira forma de interagir com o mundo.
O que é a brincadeira? Como a criança brinca? Que materiais usa para brincar? A criança precisa de materiais para brincar? Onde está a brincadeira nessa realidade que estamos vivendo? Essas perguntas sempre presentes no cotidiano da educação infantil, são comumente feitas por educadoras/es e familiares.
Vale à pena começar pelo conceito o que estamos entendendo por brincadeira. A brincadeira é uma linguagem da infância e está associada a outras linguagens como a motricidade, o desenho, o teatro, a música, e também, com as linguagens oral e escrita. Segundo Bruner (1983), na brincadeira a criança é capaz de usar aspectos da linguagem como a semântica, a pragmática e a sintaxe, ou seja, ela é capaz de entender o sentido da fala, o motivo pelo qual se utiliza da fala e de expressar o que está fazendo, usando o tempo gramatical certo. Veja:
Como narradora de seu plano de brincadeira, a criança vai ampliando seu repertório, uma vez que brinca de corpo inteiro. É muito comum observar as crianças narrando a sequência que planejou enquanto brinca; e assim vai descrevendo: “eu estou fazendo um pássaro”, “vou fazer um boca e depois vou por um chifre”, “vou precisar de caneta com brilho para meu passarunicórnio”. Em seus planos de brincar há ainda espaços para convidados que aparecem com uma pergunta singela “quer brincar comigo”? Seja nas viagens simbólicas, nos pratos que preparam de mentirinha e que são ao mesmo tempo tão seriamente concluídos que elas nos oferecem afirmando que está uma delícia! Quem nunca experimentou um café ou uma sopa como resultado de um largo tempo de preparo e que portanto leva a segurança de que estão deliciosos?
É nesse jogo, no meio de afazeres, que a criança vai estabelecendo com os adultos uma relação de aprendizagem de experiências já vividas, e, para além disso, vivem outras experiências como colocar e tirar objetos, sentir o volume, peso, formas das coisas, etc. É preciso reconhecer a brincadeira infantil como oportunidade de aprendizagem também.
Na interação mãe-bebê, percebe-se que ela é permeada por gestos, risos, movimentos e muita expressão corporal, nessa relação há na realidade uma brincadeira inicial de linguagem gestual e fisionômica. É a primeira forma de expressão e dispensa a linguagem falada.
Se o brincar inicialmente parece ser isolado, entende-se que não é. Quando o bebê começa as primeiras interações com a mãe, por exemplo, e começa a rir, a se movimentar e a fazer caretas, está brincando, e não precisa de brinquedo para isso.
Outro exemplo de brincadeira e comunicação entre mãe e bebê é permeado pelo corpo da mãe, assim podemos dizer que esse é o primeiro brinquedo da criança. A mãe conversa com ele, que sorri, mexe as pernas, experimenta muitas posições, levanta as pernas, movimenta os braços, usa o ombro da mãe para experimentar deitar a cabeça, ora de um lado ora do outro, encolhe o corpo, olha o rosto, tenta aproximar as mãos, agarra os cabelos, até involuntariamente e assim vai acontecendo uma brincadeira carregada de muito prazer.
Assim a brincadeira vem acompanhada de encantamento e de aprendizagem.
São infinitas as formas de brincar com crianças de zero a 2 anos, mas isso requer um adulto com disponibilidade, imaginação e vontade de experimentar situações novas, oportunizando possibilidades de brincar. Na brincadeira a criança experimenta situações antagônicas, mas sucessivas que podem ir da seriedade ao riso, da realidade à fantasia, da liberdade à regra.
Esse assunto é muito sério e apaixonante, por isso essa conversa não acaba aqui.
Olha o que separamos para você
*Indicação Bibliográfica – BRUNER, Jerome. Como as crianças aprendem a falar. Coleção Horizontes Pedagógicos. Edições Piaget. 2008.
“É na brincar com o adulto que o bebê começa a construir a sua língua materna. Quando compreende que podemos ‘fazer coisas com as palavras’ já aprendeu algo importante: a língua pode servir para assinalar uma intenção. Aprende, assim, o uso da linguagem antes de aprender a falar. Para Jerome Bruner, um dos mais brilhantes psicólogos da nossa época, a língua adquire-se enquanto instrumento de regulação na interação social. O autor insiste mais na função da linguagem do que na sua forma. O jogo partilhado e ritualizado permite à criança descobrir o papel da própria comunicação e as estruturas dos atos em que intervém. É graças à presença de um adulto, que interpreta e formaliza os ‘sinais’ do bebê, que este processo se pode iniciar. Não se trata, portanto, de uma imitação, como se pensou durante muito tempo, nem de um dispositivo inato que funcionaria automaticamente, sem assistência, mas de um sistema de suporte para a aquisição da linguagem que permitiria à criança ser ela a construí-lo, graças a este suporte. Ao longo deste livro, Jerome Bruner permite-nos acompanhá-lo na observação das crianças pequenas que aprendem a falar no seu quadro familiar. A clareza da sua expressão torna compreensível um processo tão complexo como a aquisição da linguagem. Recomendado para todos os que desejam compreender melhor como e porquê a criança aprende a comunicar e a organizar a sua representação do mundo.” Edições Piaget.